terça-feira, 3 de novembro de 2009

O PRIMEIRO ANIVERSÁRIO

Da Maria que não do blogue. Há um ano que a Maria está presente nas nossas vidas, pelo menos no formato "ao vivo e a cores" (sem ser em fotografias ou vídeos 3D...). Aqui se foi dando conta de um ou outro desenvolvimento da bebé, uma ou outra reflexão sobre a parentalidade. Com visíveis limitações ou divisões sobre a colocação de fotografias ou a revelação de intimidades. O equilíbrio mostrou-se sempre instável, interna e externamente, com avanços e recuos, dúvidas e poucas certezas.
Ainda assim, emergiu um dogma deste "ano" bloguista. A Maria, claro está, intocável no posto de papel principal que agora assume em, pelo menos, duas vidas. A festa comemorativa teve muita gente, com destaque para a gloriosa presença de três bisavós (ainda há uma quarta que não pôde vir). É obra para gente ainda tão pequena. Mesmo se tentasse não conseguiria descrever como a Maria ensinou os pais o que é uma anfitriã. Bem-disposta do primeiro ao último minuto. Sem recuos, dúvidas ou limitações.
Poderia ser uma lição para o papá. Mas é mais um motivo de reflexão e questionamento. Não me parece por isso existir melhor altura (e post) do que este para iniciar uma pausa. Que, como se diz na descrição deste 1pai100palavras, espera-se limitado às palavras escritas.

UM ANO, CINCO MOMENTOS

No momento em que passou um ano de Maria, eis cinco momentos que enternecem o papá.

1 - Quando a Maria encosta a cabeça no meu ombro e ali fica segundos que parecem horas.
2 - Quando a Maria, antes de adormecer deitada no carrinho, se dedica a contemplar-me.
3 - Quando a Maria espeta o indicador para estabelecer contacto (ao estilo do "E.T. - O Extra-terrestre").
4 - Quando a Maria estica os braços a pedir colo.
5 - Quando a Maria passeia no carrinho e olha para trás, a "pedir-me" um beijo na testa.

Paro a marcha do carrinho, abro um sorriso, debruço-me sobre ela, beijo-a demoradamente na testa. O tempo suspende-se. Ela sorri e volta a olhar em frente para a paisagem que a espera. Os segundos voltam a passar e o caminho volta a ser caminho.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

MOMENTOS EM FAMÍLIA


Numa entrevista já antiga do Pedro Bidarra, director criativo da BBDO, ao jornal i, os conceitos da publicidade misturam-se com as vivências familiares. E, de repente, pode soar um sinal de alerta para passarmos (ainda) menos tempo à frente do televisor. Ou em frente do televisor, quem sabe, a tentar estabelecer pontes. Seja como for, por enquanto ainda resistimos a instalar uma televisão na cozinha. Na hora das refeições ouve-se música. Ou o silêncio entre as palavras.

"Mesmo numa casa onde viva um homem, uma mulher e uma criança, é difícil aquela família partilhar as mesmas coisas. Estou a falar de experiências de comunicação e de entretenimento. É muito difícil que uma filha partilhe a mesma coisa que a mãe ou o pai. Com tantas referências, a pessoa tende a criar conteúdos e assuntos que viajam em diferentes meios. Depois há uma televisão em cada quarto, há Internet, outros estímulos. Cada um está fechado no seu mundo. Felizmente, ainda há pontos de contacto, mas é preciso procurá-los."

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

PRIMEIRA PALAVRA

Num clara demonstração de ausência egocêntrica e de contenção conflituosa, o concílio parental da Maria declarou, este fim de semana, qual a primeira palavra proferida pela bebé. Estiveram em cima da mesa os clássicos "ma...ma" e "pa...pa", com respectivas derivações "mããã" e "pááá". Foram vencidos pelo simples "Olá!".
Ainda assim, há discussões sobre a grafia, qual acordo ortográfico português. Estará o ponto de exclamação a mais? Provavelmente sim. E o som emitido parece-se mais com "olháaaa...". Mas sobre o intuito, disso não existem dúvidas. "Olhá" para a mãe, para o pai, para os quadros do Carlos Gardel, Corto Maltese e gatinhos, "olhás" repetidos consecutivamente para obter resposta semelhante.
Veio em boa altura a aprendizagem. A ver se ela a consegue pôr em prática na recepção aos convidados da festa comemorativa do ano um. O pai ainda vai tentar ensinar em tempo útil outra palavrinha que pode dar jeito: "Adeus!"

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

BÉBÉ BIBLIOTECÁRIA

A Maria aponta. Isto, aquilo e aqueloutro, com o dedo esticado. Acho que dorme assim, com o indicador em riste (e o polegar na boca). Dá preferência a livros. Passa minutos e minutos a olhar para as figuras de animais, seja da quinta, do campo, do mar ou da selva. Aponta, comenta guturalmente, vira e revira as páginas. O interesse é tal que os nossos amigos belgas, quando pensaram em oferecer-lhe uma prenda, optaram por mais um livro. Agora são quatro as leituras de cabeceira da Maria. Mesmo os mais antigos não deixam de lhe captar a atenção. O primordial é colorido e de material maleável. Faz barulho quando se mexem nas folhas que enquadram o leão, o macaco, o elefante, o pássaro (piu-piu), o gato, o cão, o cavalo. O nome dos bichos é acompanhado dos respectivos sons [perguntam como faz o elefante? Ora, é uuuuoooooooóóóó, não é?]. Depois veio um livro de cartão com a bicharada do campo, das lagartas e minhocas às borboletas e libelinhas. Gosta particularmente da lesma e do caracol, sempre acompanhado da cantilena “caracol, caracol, põe os pauzinhos ao sol!”. Aqui não há sons, excepto para o mosquito. Zzzzzzzzzzzzz. Da mesma colecção, a prenda belga mostra a vida na quinta. Voltam os sons para a vaca-muuuuuuuuuu, o porco-óinc, o burro-ióóó, o peru glu-glu-glu, o pato quá-quá. O senhor agricultor não fala. Só se ouve o barulho do tractor. O livro do banho é aquele em que mais se aponta. Cada página tem muito que ver. Constantes, um polvo e a água. Juntam-se peixinhos, estrela-do-mar, barco à vela, piu-pius, bola…
Passo a passo, os animais começam a ser reconhecidos. “Onde está o polvo, filha?” Às vezes aponta, outras vezes não. “Está ali”, ajudam os pais quando necessário. No outro dia, no livro da quinta, pareceu-me que ela reconheceu mais um. “Onde está o burrinho, filha?” E ela logo, tão linda, de dedo espetado a indicar o papá…

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

CRIANCICE PATENTEADA #11:
NEM QUEBRAR NEM TORCER
(O COTOVELO)


Problema: Preguicite aguda dos pais; ancilose do cotovelo
Solução: colher reservatório + dispensadora de comida
Explicação: apertar a parte mole da colher provoca a saída de uma dose de comida para a parte côncava.
Efeito colateral: Crianças impossibilitadas de se exprimirem artisticamente pela colocação das mãos no prato da comida.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

ANOITECER DE VERÃO OUTONAL
(UM CONTO EM QUATRO ACTOS)


(acto I)
Rua fora, os néons das lojas a contestar a luz dos candeeiros públicos, a caminho de casa com um frango assado no saco. No passeio à minha frente, uma avó e duas crianças. O miúdo, mais novo que a irmã, pergunta:
- Avó, em casa posso calçar os ténis novos?
O consentimento é quase inaudível mas a réplica da menina não.
- Não percebo porque é que arranjas sempre coisas novas para ele e para mim não.
- Porque TU já tens dois ténis! E eu só tenho um! – adianta-se o irmão.
A avó permanece calada. A irmã, sempre serena, aplaca o ciúme.
- São giros? – condescende a irmã.
- Buéda fixes!
- De que cor são?
- Às cores – responde ele.
- Que cores?
- São muitas!
- Mas quais?
- Não me lembro!
Estou em plena ultrapassagem ao trio da avó calada, da menina calma e do miúdo com ténis muita fixes dos quais já não se lembra. Após um breve silêncio, regressam as vozes.
- Azul?! – insiste a irmã.
- Já te disse que não me lembro!!!
Ultrapassei-os e começo a afastar-me.
- Verde?
- Não sejas chata! Já disse que não sei!

(acto II)
Deixo de ouvir. Dois quarteirões à frente, uma mãe empurra com as duas mãos um carrinho de criança na minha direcção. Não é a primeira vez que a encontro. Tem sempre um cigarro preso entre os dedos, a fumegar para onde o vento sopra. Às vezes é para cima da criança, invariavelmente calada. Cruzamo-nos ao estilo comboio-bala.

(acto III)
Mais à frente, um homem segura uma caixa junto ao carro. Junto à porta traseira, uma mãe instala a filha na cadeirinha interior.
- VÁ LÁ QUE JÁ SÃO SETE E MEIA! ENTRAAAA!
A menina inicia um choro contínuo. A mãe persegue na irritação. O pai segura a caixa. O choro soa como uma sirene de bombeiros que se ofusca lentamente à medida que me afasto e galgo o resto dos metros que faltam até casa. O frango ainda vai quente.

(acto IV)
A Maria acabara de comer. Recebe-me com um sorriso enorme. Quatro dentes brilham, dois em baixo, dois em cima. Deixa os pais comerem o frango enquanto explora o chão da cozinha atrás de uma bola. Bate com a cabeça num pé da mesa. E começa um choro que parece uma sirene de bombeiros. É resultado de sono, concluímos, falta da sempre necessária sesta que não fizera. Todos os truques de adormecer ou acalmar falham. A sirene não termina. Até uma mãe salvadora lembrar-se de cheirar uma fralda. Cheia e a fazer arder um rabinho assado. O pano desce. A peça de verão outonal terminou. Os críticos que lhe façam os julgamentos morais.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

PUZZLE GENÉTICO


Quase acabadinho de nascer, com cerca de meio metro, olhos fechados, corpo e expressão frágil, e já cada bebé começa logo a ser retalhado pelas famílias do pai e da mãe. Chegam uns e sentenciam que “tem os olhos da mãe”. Vêm outros e reconhecem logo “o queixo e as orelhas do pai”. Rapidamente, todas as partes do bebé vão sendo tomadas, uma a uma, pelas duas facções beligerantes. Parece o jogo do Risco, com árduas batalhas pelo território do recém-chegado. “A cara redonda da mãe? Ai não, nem pensar, ela é toda pai!”. “O quê? O nariz do pai? Longe disso, felizmente, coitadinha da menina! É nariz cem por cento mamã!”

Assistimos calados a estas movimentações no tabuleiro de pertenças deste e daquele lado. Quando nos perguntavam a opinião, dizíamos que a Maria era parecida com… a Maria. Claro que na intimidade lá fomos reconhecendo esta ou aquela feição, esta ou aquela expressão, mas sem dar demasiada importância ao puzzle genético. Ainda assim, confesso que resisti algum tempo à possibilidade, entretanto confirmada, de a Maria ter o cabelo aloirado. Ou melhor, castanho-claro como o papá diz.

Melhor ainda fez uma bisavó paterna. Mal viu a Maria, apressou-se a proclamar a sentença: “Ah, ela não tem nada de pai.” E lá encontrou semelhanças com vários elementos da parte familiar maternal. Subitamente com dúvidas sobre a efectiva paternidade da criança, ainda perguntei “Ó avó, mas não há nem uma coisinha parecida comigo?”. Mais valia ter estado calado, perante a resposta categórica: “Ai, é que nada mesmo. NADA.” Suspiro. Até neste Risco-Bebé há alianças que surgem do sítio mais inesperado.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

CRIANCICE PATENTEADA #10:
ADORO VER-ME ENORME


Problema: Saudades do período de gravidez
Solução: molde da barriga grávida
Slogan: “Um molde de barriga grávida permite que a mamã se lembre para sempre de como era durante a gravidez.”
Conteúdo suspeito: cinco bisnagas de material de molde extra-cremoso, lubrificante natural para esfregar na barriga, par de luvas de Nitrile (alternativa segura ao latex)
Efeito colateral: Utilizações fetichistas por parte dos maridos, possibilidade de o molde ser pendurado na parede da sala (ao lado do quadro do menino choraminga)
Aquisição alternativa: engravidar outra vez

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

PARADIGMA DO NOVO-PAI


Os tios Ricky e Tita casaram. A Maria esteve lá, a espreitar para a salinha da conservatória em que se assinavam nomes e trocavam alianças. Depois posou para as fotografias da praxe. Jantou comida de frasco pela primeira vez na vida no restaurante do copo de água. Brincou, riu, chorou, dormiu ao longo da tarde-noite. Ela e outras bebés praticamente da mesma idade. Uma delas, a Clarinha, até “cantou” karaoke. Microfone na mão em pose de estrela de rock.
Entre a barafunda benigna do casório surgiu uma imagem colectiva inusitada. Um paradigma dos novos tempos parentais. As bebés mais pequenas tinham em redor não só a mãe, como sempre foi e será regra, mas também os pais. E os tios. E os amigos. Há uma nova geração de homens que não se limita a transportar os bebés e as crianças daqui para ali. Também dança e canta com eles, troca-lhes as fraldas (ou ajuda a trocar…), embala o carrinho, dá-lhes de comer. Há um lado maternal a despontar em cada pai. Há uma geração de crianças a ser criada com novas regras do afecto. Dificilmente assistiríamos a este quadro unânime de amor paternal – exteriorizado sem ponta de vergonha num abraço aconchegado, num sorriso emocionado, num beijo apaixonado –, num casamento ou qualquer outra manifestação pública de há 30 ou 40 anos.
No dia em que os tios Ricky e Tita casaram, confirmou-se a existência do famoso conflito de gerações. Os novos pais que gravitam na geração dos trinta anos, nada têm a ver com a geração dos próprios pais, residentes nas casas dos cinquenta ou sessenta anos. Agora, os filhos não têm de mendigar afecto. Os mimos chegam-lhes de forma espontânea e benévola, oriundos das eternas mães mas também dos "novos" pais, distantes da figura fria e inalcançável que reinou no passado.
Acreditemos que esta mudança profunda terá consequências individuais em cada um dos nossos filhos e efeitos colectivos numa sociedade formada por pessoas mais amadas. Mas preparemo-nos para que o conflito de gerações se renove constantemente, adoptando novos formatos. Não será de admirar que um dia eles nos digam: “Ah, mas TU estragaste-me com mimos!”
Corremos sempre o risco de quando os nossos filhos forem “grandes” acharem que nós não fomos os melhores pais. Ainda assim, estragado por estragado, parece-me preferível apostar no novo paradigma vigente em detrimento do velho modelo paternal. É que esse já foi testado até à exaustão, com resultados maioritariamente insatisfatórios.
Por isso caros papás, vão lá dar mais uma dose de carinho “em excesso”. Ficam desde já desculpados.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

PLACENTA PARA QUE TE QUERO!

Quando me deparo com hábitos estranhos, procuro pensar que se tratam apenas de culturas diferentes da qual em que eu cresci. Essa atitude auxilia a tentar compreender mesmo o que aparenta ser incompreensível. As mulheres-grávidas são, por si só, um caso estranho. Ainda assim, consegui ficar espantado com um artigo publicado na Time onde Joel Steiner relata uma experiência relativa aos caprichos da esposa. Desta vez, o desejo da grávida Cassandra não incidia em gelados estrambólicos passíveis de serem resolvidos através da receita-Ambrósio.
Nope. A grávida queria comer a própria placenta. Porquê? Parece que para auxiliar a evitar a depressão pós-parto e a aumentar a produção de leite. Após uma primeira reacção do tipo "está tudo maluco!", o homem lá ouviu o argumento de que a maioria dos mamíferos come as próprias placentas. Contrapôs e esperou que a ideia se desvanecesse com o tempo.
Enganou-se. A esposa teve lucidez para dar à luz e ainda pedir que lhe embrulhassem a placenta. Joel conta ao pormenor as peripécias de salvaguardar a dita cuja em casa e de ir buscar a cozinheira no dia seguinte. Sara Pereira de seu nome, aprendeu a técnica durante um curso de medicina tradicional chinesa. O preparado envolve ervas aromáticas, cozedura a vapor, desidratação da placenta e carradas de higiene. Parece que a Cassandra tinha "uma placenta particularmente robusta". Deu para mais de 100 pílulas... Como brinde, Joel teve direito a um saquinho de cetim a guardar parte do cordão umbilical do filho, arranjado em forma de coração.
Aham... Seria demasiado fácil escrever uma piada qualquer como conclusão desta história. Mas isso poderia ser uma demonstração de ignorância ou intolerância. Até porque não me ocorre nada. É que de repente fiquei com uma fomeca. Deixa-me lá ir espreitar o que haverá ali perdido no congelador...

PS - Fiz uma pequena pesquisa de imagens de placenta para ilustrar este post. Confesso que desisti da ideia à terceira página dos resultados obtidos. Não havia nada assim com aspecto apetitoso e comecei a ficar fraquinho com a falta de comida no estômago.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

REINO DO FUTEBOL


Há pais que mal nasce um filho se apressam a torná-lo sócio de um clube de futebol. Aqui em casa, nem que fosse pela divisão clubista parental, reina o espírito aberto na questão desportiva. Depois de uma jornada para as competições europeias, achei por bem mostrar à Maria as hipóteses existentes.
Antes de mais, há boas razões históricas para ela gostar de futebol. O bisavó paterno jogou na Académica. Foi médico do Sporting, tendo marcado presença na mítica final da Taça das Taças de 1963 (até temos uma faixa comemorativa emoldurada). O bisavó materno foi dirigente no Peniche e teceu umas redes para o Estádio da Luz. Já agora, o papá da Maria jogava à bola todos os dias (numa altura em que ainda se brincava na rua). Deliciei-me a ver o Brasil do mundial de 1982 e as reviengas impossíveis de Maradona em 1986. No Euro 2004 comovi-me com uma selecção que arregimentou um país inteiro. E em 2006 tive oportunidade de acompanhar um mundial a partir da Argentina e do Brasil.
Dito isto, também há excelentes razões para a Maria desprezar o futebol. Em Portugal, o futebol é um desporto tenebroso, onde medra a intriga e escasseia o jogo bonito. As excepções são raras e aleatórias. Preferiria que ela se interessasse pela dimensão humana e multirracial dos Jogos Olímpicos (a cerimónia de desfile de equipas e bandeiras emociona-me sempre), e das modalidades “amadoras” que por lá se encontram. Como não quero influenciá-la nas escolhas, aproveitei a muda da fralda e da roupa para esclarecer, em linguagem apropriada, como são o clube da mãe e do pai. O Sporting foi confuso. A Maria já sabe fazer o “Grrrrrrrrrrr” do leão, mas este Sporting não ruge; mia. O Benfica também não foi fácil. Há demasiados anos que a águia voa baixinho mais parecendo um pombo. Nisto, ela colocou uma expressão que consegui decifrar: “Então e o clube do dragão, papá?” Ai a ingenuidade destas crianças... “Ó filhota, então não vês que os dragões são invenções que só aparecem nos contos de fadas?”

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O PAI TIRANO


Assisti esta semana a uma entrevista televisiva com Eduardo Sá. Sempre que o ouvira anteriormente, nunca fora gerador de empatias. No programa “Há Conversa”, o psicólogo discorreu, como seria de esperar, sobre o acto de educar crianças. Mas por tudo o que vou lendo e ouvindo, a principal tarefa dos dias hoje parece ser educar… os pais. Os paradigmas estão a mudar rapidamente e diz-se existir uma “epidemia dos pais bonzinhos”. Aqueles que pretendem ser os melhores amigos dos filhos e que, frequentemente, lhes fazem as vontades isentando-se do papel de regulador. O importante para estes pais é que os filhos os vejam como uns porreiraços. No fundo porque confundem autoridade com autoritarismo. A existência de algumas regras foi aliás inserida nas três pedras basilares da educação nomeadas pelo especialista:

1) Colo. Dar muito colo, muito carinho, no sentido de que dar afectividade aos filhos nunca é demais.
2) Autoridade (q.b.). No sentido de que é necessário aos pais estipularem algumas regras a cumprir pelos filhos, facto que não os transforma em pessoas autoritárias.
3) Autonomia. No sentido de preparar as crianças para se tornarem independentes e responsáveis.

Embora a entrevistadora tenha desaproveitado parcialmente o convidado (através de perguntas-monólogo longas e demasiado coladas aos próprios pré-conceitos e experiências), Eduardo Sá conseguiu passar mensagens contundentes, como a necessidade de as escolas estarem obrigadas a alterar programas e conceitos, por forma a cativar os alunos. Queixou-se da carga semanal de trabalho das crianças, que excede as míticas 40 horas que os adultos tanto almejam. As crianças crescem com 10 minutos de recreio entre aulas de 90 minutos, salientou. Após o longo dia de aulas, ainda gastam mais horas em actividades como explicações ou os famosos trabalhos de casa. Ou seja, estamos a criar adultos em idade de criança. Que tempo sobra para brincarem ou passarem um tempo relaxado com a família?

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

ONZE MESES, CINCO ÁLBUNS


A Maria cumpre hoje onze meses. Estes foram os cinco discos que mais companhia lhe fizeram – e também aos pais – durante este tempo.

Virginia Astley - From Gardens Where We Feel Secure
Durante meses e meses rodou como o álbum do banho. Primeiro na intimidade da mamã-bebé, depois já com a participação do pai, após o regresso ao trabalho da progenitora. São 35 minutos de música ambiente construída em redor de sons gravados no campo. A atmosfera bucólica e etérea criada por Astley funciona como o complemento perfeito para o contacto com a água de que a Maria tanto gosta.

Nick Cave - Boatman’s Call
A voz cava do Nick sempre teve um efeito pacificador na Maria. Pensamos que será um legado do concerto no Coliseu que “ouviu” ainda na barriga da mãe. É um disco perfeito. Ouve-se dez vezes seguidas sem cansaço, enquanto se descobrem novas preciosidades nas letras. A Maria adormecia durante as primeiras faixas, embalada pelas nossas-dele palavras. But i believe in love, and I know you do to.

Wim Mertens – Strategie de la Rupture
O minimalista belga obteve primazia em relação a Philip Glass, outro nome dominante por estas bandas (sonoras). Teve sempre cinco ou seis álbuns a acomodar o sono ou o descanso da Maria. Ao longo do tempo destacaram-se dois: Der Heisse Brei (2000) e Strategie de la Rupture (1996). É impossível ouvirmos Iris sem o coração encher-se de algo inexplicável.

Bach – Concertos de Brandeburgo
O canal Mezzo é uma dádiva televisiva para quem quer adormecer uma bebé. Excepto nas noites em que difunde um jazz mais estridente, pouco apropriado para acalmar ânimos. Nessas alturas, entravam em acção os CDs. Os Concertos de Brandeburgo, de J. S. Bach, foram um êxito imediato. Até criaram um vício no pai que não conseguiu tirar o disco do leitor durante umas quantas semanas...

John Coltrane and Johnny Hartman
A adição mais recente aos álbuns que ajudam o sono ou acalmia da Maria, ouve-se principalmente à tarde, depois da turbulência boa e positiva do infantário. Tornou-se um amor único, como prenuncia uma das canções. Absolutamente perfeito do primeiro ao último segundo.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

CAÇA AO LEÃO


Grrrrrrrrrraaaaaaaaaaaaauuuu. A Maria aprendeu como faz o leão. Ainda é um leãozinho, mas já é feroz. Podia ser o animal da cantilena que utilizamos como estratagema para as refeições mais complicadas. Novamente um legado da tia Tita. Funciona melhor com alguém que acompanha a música com gestos. O palhaço de serviço, portanto.


Vou à caça do leão, vou à caça do leão [corpo a balançar a fingir marcha]

Caçarei o maior, caçarei o maior! [punho cerrado em sinal de alguma soberba]

Não tenho medo, não tenho medo! [voz fininha e dedo a oscilar num vai e vem de não]

Ah! O que é isto?! Ah! O que é isto? [mão estendida por cima dos olhos, a avistar algo longínquo, depois mãos nas ancas em pose de interrogação]

É uma árvore! Uma graaaaaaaaaaaaaande árvore! [braços a fazer um círculo graaande]

Vou trepar! Tchck! Tchck! Tchck! Tchck! [gestos a fingir que trepamos]


A história repete-se com um rio, uma casa, uma gruta e seja lá o que for necessário até acabar a comida no prato. Depois finaliza-se substituindo a parte do “É uma…” por esta:


Tem dois olhos… Tem duas orelhas… Tem um nariz… Tem uma juba?!... Tem uma boca!?... Tem uma língua!!?... Tem dentes!!!?!?... AI, É UM LEÃO!! VOU FUGIR, VOU FUGIR!!!


Quando é o pai a fazer de mimo, ponho-me a correr quase sem sair do mesmo sítio enquanto grito (com a voz fininha) o “vou fugiiiir”. A Maria gosta que esta parte tenha bis. E com o tempo aprendeu a acompanhar com o abanar das mãos a parte do “não tenho medo” e com o braço estendido a parte do “uma graaaaaaaaaaande…”.

O próximo passo, agora que já aprendeu a rugir como um leão, deve ser ir atrás do pai medricas para devorá-lo. Aiiii, vou fugir, vou fugir!!!

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

GATINHAR MASCARADO

A Maria gatinha. Quer dizer, mais ou menos. Mete um pé no chão, o qual avança, e arrasta a outra perna. Movimenta-se portanto. Mas do que ela goste é que lhe demos as mãos ou a coloquemos à beira do sofá para ela se içar. Já no andar superior, à custa da própria força, demonstra felicidade. Bate palmas, grita, ri-se. Toda a gente diz: “Ah, ela quer é andar!”
Eu cá acho que ela gosta de se içar. De ir devagarinho, de crescer passo a passo. De ser bebé. Desculpem mas tenho de acabar este post aqui. Ela está ali a içar-se ao pé da estante dos livros para tentar apanhar o livro “A Maravilhosa História da Arte da Imagem” e os dois volumes de “A Evolução Estética do Cinema”. Eu não dizia que ela gosta de ser bebé?!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

CRIANCICE PATENTEADA #9:
NA MINHA CINTURA CABE TUDO


Problema: onde é que pus a porcaria do creme?
Solução: avental muda-fraldas, tipo cinto de ferramentas, especial para papás.
Conteúdo: total de 22 artigos (!) incluindo um par de óculos de protecção, tampões para os ouvidos, 1 par de luvas de borracha.
Efeito colateral: tentativa ridícula de utilização erótica do avental com a mãe da criança; perigo de mistura de ferramentas pode levar a limar o rabinho do bebé e a martelar a fralda até estar devidamente colocada.

SUPER-HERÓIS AMEAÇADOS


Durante a gravidez, além das escolhas musicais, também ocorrem mudanças na secção de papel. De um dia para o outro, na estante do escritório esvazia-se parte de uma prateleira para acomodar livros de pediatria e revistas sobre pais e filhos. Apertados numa das extremidades estão agora as lembranças dos meus primeiros anos. Apercebo-me de que os álbuns do Homem-Aranha e do Batman olham de esguelha para os novos inquilinos que crescem assustadoramente de número e volume com o avanço da gravidez. Sinto que os meus super-heróis estão amedrontados com o espaço decrescente e por poderem acabar a carreira no caixote da reciclagem. Num grito de revolta, decido que é preciso ajudá-los e inverter a tendência urgentemente. Vou directo à livraria para voltar a comprar, décadas depois, um novo volume do Cavaleiro das Trevas, do rapaz que atira teias aracnídeas, do Demolidor ou até de um qualquer herói contemporâneo que me desperte a atenção. Passada uma hora de aturada escolha, saio da loja sorridente. No saco tenho mais um livro de pediatria, A Menina do Mar de Sophia de Mello Breyner Andresen (para ler à barriga), e um CD-Baby não-sei-quê. Chego a casa e entro silencioso. Tenho medo que o Batman e o Aranha estejam escondidos algures para dar cabo de mim, traidor sem remissão possível.
Para me acalmar entro no quarto de cama, visto o pijama, pressiono o play do leitor de CD, pego num livro e deito-me. Pelo ar ecoa uma língua ininteligível acompanhada de sons suaves. Leio a primeira frase e recordo-me novamente da minha infância. "Uma vez, quando eu tinha seis anos, vi num livro sobre a Floresta Virgem intitulado Histórias Vividas uma gravura maravilhosa. Mostrava uma jibóia a engolir uma fera." Baixo o som proveniente das colunas e leio em voz alta o primeiro capítulo de O Principezinho, de Saint-Exupéry. Tenho uma mão assente numa barriga grávida. Procuro sentir os pontapés do bebé. Quero acreditar, como vem nos manuais, que são resposta ao timbre da minha voz. Um ruído de fundo interrompe a leitura. São soluços convulsos, provenientes do escritório. A gravidez, dizem, é um estado de graça. Mas há alturas em que apetece dizer: importam-se de explicar onde está a piada? É que o o Batman e o Homem-Aranha parecem não achar graça nenhuma.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

CANTILENA DO… BANHO TOMADO


Sem que se saiba bem como ou quando, institui-se que o término do banho da Maria e respectivo transporte da banheira até ao trocador é acompanhado por uma cantilena que ajuda o papá a esquecer-se do aumento gradual do peso que carrega.

Arre burrinho p’rá Azeitão
Carregadinho de feijão
Que os outros já lá estão
Com a sua carga no… chãaaaaaaaaaaaaoooo!

O ritmo da música por vezes leva variações próprias do momento, tanto podendo a cantilena ser entoada em coro alentejano como em hip hop. Mas a letra cantada pelo transportador, legado da avó maternal, é diferente da versão conhecida pela mãe. Versa assim a moda penichense:

Arre burrinho que vais para a feira
Carregadinho de madeira
Levas a canga e o arado
E a Maria com o cú cagado.

Logo à primeira audição, o lápis azul do pai actuou e censurou o verso final. Simplesmente não é higiénico. Nem verdade. A criança acabou de tomar banho, credo! Após conversações, negociatas e concílios, inventou-se uma rima final alternativa: “Levas a canga e o arado / E a Maria com o banho tomado!”. Ah, digam lá se esta limpeza etnográfica não ficou tão bonita!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

QUANDO O DESPERTADOR TOCA


Estar de serviço à Maria implica, ao contrário do que poderia pensar, acordar com despertador. Ou é ela que me acorda (tem sido raro), ou é a Radar. Escapo-me para a cozinha sempre a tempo de evitar ouvir o tenebroso jingle da “K7 de Verão” do Zé Pedro. Aqueço uma chávena de café enquanto meço a água do biberão matinal. Sorvo a bebida negra vagarosamente à espera do efeito pretendido. O apito do aquecedor de biberões encarrega-se de terminar o processo do despertar. Preparo o leite e rumo ao quarto. Ajeito as almofadas, levanto um pouco do estore, coloco o biberão a postos.
Ultimamente a Maria tem um acordar VIP. Entro no quarto obscurecido. Geralmente ela já está de olhos abertos. Sorri em resposta ao “Bom dia Maria! Olá filha! Bom dia alegria!”. E logo aqui não me reconheço, mesmo sob efeito do café. Diacho, mas eu não era um tipo noctívago, com péssimo acordar matinal? O quê? Alguém me está a dizer que… ah, sim? Pelos vistos, afinal continuo a ser uma bestinha para os restantes seres humanos. Regressemos por isso à sortuda Maria que já está a apreciar o ilusionismo do pai, um truque baixíssimo para subir na consideração dela (“Vamos fazer magia? O papá vai fazer luz!”, enquanto abro o estore).
Braços estendidos, bebé levantado, saudamos o quadro dos gatinhos antes de ir para o quarto de aleitamento. Diz-se bom dia ao Senhor Gardel (o Carlos) da parede antes de posicionarmo-nos na cama. A Maria nem tem tempo de refilar com fome. Vuoshhhhhh!!! Biberão acoplado em posição de esvaziamento. Quando o nariz não está entupido, é empreitada de um fôlego só. Após a sucção, esperamos pelo arroto acompanhados pelas ondas radiofónicas. Às vezes balançamos o corpo e agitamos os braços. Contamos os minutos preciosos em que podemos ficar neste estado de tudo e de nada, antes de regressarmos ao resto das tarefas matinais. O Senhor Gardel torce o nariz aos sons emitidos pelo rádio-despertador. Faço-lhe a vontade e silencio a música. Lá fora o sol (ainda) chama por nós.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

PEDIATRA LARGUEIRÃO


Escolher um pediatra é como escolher roupa ou sapatos. Há quem goste de camisolas largueironas, há quem prefira calças justinhas. Mas além da questão do mero gosto, é importante que a roupa assente bem. Que esteja de acordo com a pessoa e não provoque uma sensação incómoda. Assim, faz pouco sentido escolher um pediatra rígido quando somos uma pessoa que tende para o liberal. Da mesma forma que não será produtivo seleccionar um pediatra “despreocupado” quando se prefere e necessita de regras definidas e estanques.
Abordámos a escolha do pediatra da Maria na procura de um equilíbrio. Por um lado era urgente mostrar ao pai a necessidade de determinar e cumprir algumas regras; por outro era crucial revelar à mãe que nem tudo precisa de ser controlado a régua e esquadro. O pediatra da Maria assentou como uma luva. Desde a primeira consulta que o dr. Luís Pinheiro retirou imenso peso dos nossos ombros nesta tarefa exigente e difícil de criar uma criança. Às vezes saíamos do consultório com a sensação de que a Maria quase se iria criar sozinha.
Nos momentos de (relativa) aflição, devo dizer que ansiámos por directrizes claras e inequívocas. Houve alturas em que as obtivemos. Mas na maioria do tempo, aplicámos o bom senso tantas vezes preconizado, misturado com leituras de manuais de pediatria [os fóruns de mães foram colocados para segundo plano, face a tanto disparate que lá se pode aprender no meio de algumas dicas úteis]. E, acima de tudo, uma grande descontracção. Ou talvez a mera constatação de que, independentemente do nosso desejo, a Maria irá volta e meia ter febre, tosse e nariz entupido. Vai ter dores de dentes e de barriga. Vai chorar, por muito que isso nos custe. Afinal, a nossa filha não é a super-mulher. Também é humana como nós.
Em conjunto com o trabalho dedicado e carinhoso da nossa médica e enfermeira de família do centro de saúde, a verdade é que a Maria tem sido criada num ambiente de regras sem demasiadas… regras. Principalmente tem sido criada num ambiente sem dogmas castradores, receios exagerados, redomas assépticas. Tem sido criada por uns pais humanos, que erram e acertam nas acções tomadas, mas que procuram munir-se de informação fidedigna para aliar o lado racional à vertente emocional.
Temos assim um pediatra adequado porque nos dá confiança para agir autonomamente, dentro de certas linhas orientadoras generalistas. Este voto de confiança nas capacidades e discernimento dos pais para criar um filho, esta responsabilização do lado parental, tem gerado uma sensação de bem-estar, a par de um espírito positivo. Um auxílio precioso para que a Maria não seja apenas um mar de cadilhos. Graças a esta atitude pedagógica, guardamos as nossas preocupações sérias para quando surgirem problemas… sérios. Porque isto é uma lotaria. E como nunca sabemos o que nos calha na rifa, o melhor é procurar viver como se todas as semanas ganhássemos o primeiro prémio.
Nem sempre é fácil ou possível aplicar esta fórmula do “carpe diem” a tudo na nossa vida. Mas com a ajuda educacional do nosso pediatra e da nossa médica, com a Maria tem sido assim mesmo. E nas semanas mais complicadas, se não acertamos nos seis números mágicos, acertamos pelo menos em três. A Maria tem dado sempre prémio. Qualquer dia estamos milionários.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

CRIANCICE PATENTEADA #8:
PODES REPETIR ESSE CHORO?


Problema: Problemas existenciais provocados pela incompreensão do choro de bebé.
Solução: Analisador de choro de bebé
Explicação: o aparelho está programado para reconhecer diferentes timbres sonoros, analisá-los digitalmente e conotar o choro do bebé numa de cinco simples expressões – fome, aborrecido, chateado, ensonado, stressado.
Prémios: medalha de prata na 8.ª Feira Internacional de Invenções “Galactica 2001”
Efeito colateral: Levar o bebé para a montanha-russa porque acendeu a luz do aborrecido quando afinal ele queria era comer; Levar o bebé para uma sessão de relaxamento num spa porque acendeu a luz do stressado quando afinal ele só queria que lhe dessem um brinquedo para a mão; outros exemplos no estilo.
Lacuna: faltam os tipos de choro “vai pentear macacos!” e “tira-me esse aparelho da frente!”

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

LAÇOS DE TERNURA

Ontem a bisavó paterna da Maria fez 94 anos. A avó Nana tem uma vida recheada. Alegrias escassas para tantas tristezas, atrevo-me a afirmar. A última está associada, entre outros aspectos, a já não poder ver como é a Maria.
Mesmo com tantas partidas do destino, a bisavó ainda demonstra uma capacidade estóica de avançar no tempo da vida. E uma coragem ímpar em conseguir sorrir. Por isso, apesar da farfalheira no interior da bebé e do vento frio no exterior da casa, arriscámos a saída. Aparecemos à hora do jantar com a intenção de a Maria proporcionar, quiçá, mais alguns sorrisos. E lá esteve ela, sentada ao colo da avó. Fez música com duas colheres, inspeccionou uma caixa de chocolates (fechadinha, bem fechadinha), alegrou-se e alegrou. Nem um segundo de choro. Quase não acreditávamos. Nada de lamentos sobre estar sentada, ainda por cima num colo inabitual.
A avó sorriu. Muito. Mesmo sem ver, estava contente por sentir a Maria, por não ouvir lágrimas e sim um palrar, por ser informada de que a bisneta estava sorridente. A velhota falou com a bisneta com “voz de telefone”, assim mais fininha para “a bebé perceber”. Mas os mais novos entoaram alto, sem timbres ténues, a letra dos Parabéns a você. A Maria não cantou, mas gostou do cerimonial.
A avó disse e repetiu que não podia ter tido melhor prenda. Sei bem que havia outras prendas que ela gostaria mais de ter. No entanto, há desejos que um neto não pode realizar. Restou-me proporcionar, com o crucial apoio da AV, o contacto com a bisnetinha. E ver que durante uma escassa vintena de minutos, uma criança ao colo gerou felicidade pura, daquela que não se compra. Dá-se e recebe-se.
A empreitada cumpriu-se com sucesso. Total. O mérito cabe à Maria. Um dia, quando a compreensão aparecer de forma madura, o pai vai agradecer-lhe pela música de uma noite de final de Verão. Para que entenda a importância da preciosa dádiva que deu à bisavó. E por demonstrar, mais uma vez, a grandiosidade das coisas simples. Como uma bisavó cega maravilhada com uma bebé ao colo.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

TRÊS NOITADAS

A Sofia bem avisou sobre o “vê lá o que dizes porque depois…”. Já são três noites seguidas meio dormidas no sofá. Tudo porque o carrinho parece ser o melhor sítio para acalmar os ataques de tosse da Maria que a impedem de regressar a adormecer. Ontem até tivemos de ir tirar da gaveta o colinho para a confortar e as cantilenas do peixinho vermelhinho e do gatinho vai-te embora para a serenar.
De tarde, na consulta rotineira no centro de saúde, a Maria tinha sido exemplar para médica ver. Nem uma choraminguice. Apenas uma grande curiosidade sobre aquele instrumento pendurado ao pescoço. O estetoscópio foi peremptório: aerossóis três vezes ao dia, cá vamos nós outra vez (já lá estávamos, mas agora é com mais convicção). Parafraseando a Sofia, “a Maria está a crescer”. E bem, apesar da tosse.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

PAI-SACO


No passado domingo estava a brincar com a Maria de pai-parapeito. Estiquei o braço para ela se agarrar com força e levantar-se. Devidamente içada, fez logo questão de mostrar que era altura de passarmos para a actividade seguinte. Queria que eu fizesse de pai-saco. Saco de pancada.De repente, a minha coxa é um pequeno tambor em que ela dá palmadas. O meu peito é uma selva de pelos daninhos que ela resolve arrancar (e a mãe esfrega as mãos de contente). As minhas orelhas, alternadamente, são alvo de inspecção com dedo em riste a escarafunchar o tímpano. O meu nariz (grandote) emite o som de campainha quando levemente tocado e logo a seguir de mugido doloroso quando apertado. Os meus braços-parapeito são arranhados como se estivesse a brincar com um gato assanhado. Para contrastar a dolorosa actividade física, mantivemos uma conversa em que nos entendemos às mil maravilhas.

- Filha, tem cuidado!
- Hrummmmm!
- Maria, isso magoa o pai!
- Iiiiiioooooooohhhh!
- Auuuuuuuuuuuuu!
- Iiiiiiiiiiieeeeeeeeeehhh!
- Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
- Eeeeeeeeeaaaaaaaahhhhh!

Sempre ouvi dizer que ser pai implica sacrifícios, mas não era bem isto que eu tinha em mente... No próximo fim-de-semana, felizmente, a coisa vai mudar. Já comprei uns brinquedos novos para ver se ela perde o interesse pelo pai-saco-de-pancada. E tão lindos que o chicotinho preto e as algeminhas prateadas são!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

S.O.S. AEROSSOL


Após quase dois meses, já me tinha esquecido do que é acordar de madrugada com a Maria a tossir e com o nariz entupido. É a factura a pagar do regresso ao infantário. Estremunhado, iniciei juntamente com a AV o processo de montar a máquina, colocar a Maria no carrinho e enviar-lhe fumo para a cara. Fez uma expressão que parecia de reconhecimento perante a primeira fumaça. Disse umas frases, do mesmo estilo que costuma dizer quando lhe ponho à frente a ursinha Dada, ou o urso branco, ou o sapo verde (este é outro diferente do sapo Luigi), para ela relatar o dia passado antes de adormecer.
Nesses momentos, a expressão facial da Maria corporiza o sentimento da alegria. Pura e sincera. Nas últimas semanas, entre muitas outras coisas, este tem sido o momento que mais me satisfaz. Primeiro, aqueles segundos eternizados em que ela observa quieta o boneco que lhe mostro à distância enquanto digo "Já viste quem está aqui?". E depois a explosão num êxtase: estende os braços, rasga um sorriso profundo e acolhe o peluche quase com uma cantoria.
Ontem, apesar de serem cinco da madrugada, a Maria fez a mesma expressão perante os aerossóis. Depois brincou com os jactos de fumo enquanto tossia volta e meia. Acabada a terapêutica, deitei-me no sofá enquanto embalava o carrinho. Liguei a televisão e coloquei baixinho o canal de música clássica. Ela abraçou-se à fronha, colocou o polegar na boca e eu pousei os óculos em cima do pufe. Acordámos os dois, manhã feita, ao agradável som da voz da AV.
Será heresia afirmar que já tinha saudades dos aerossóis? Agora a ver se não abusamos, filhota, que da última vez a "brincadeira" envolveu três sessões diárias. Temos de resistir às dependências, não é?

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

CRIANCICE PATENTEADA #7:
VEM AÍ O AVIÃO


Problema: Incapacidade de fazer o barulho de avião sem encher a criança de perdigotos; falta de imaginação crónica.
Solução: Asas e cauda de avião para acoplar à colher.
Efeito colateral: O pai ficar tão interessado na colher-avião que a leva para o escritório a fim de pintar uns números e cruzes, acrescentar um motor, colocar um assento ejectável, tudo enquanto o bebé espera pela próxima colher de sopa.

CAVAQUISTÃO PARENTAL


As mães lidam com os seus bebés de uma forma naturalmente protectora. Não interessa regressar às razões para tal, mas sim abordar os efeitos. Um deles é o chamado efeito redoma. De tanto quererem evitar que algo aconteça aos filhos, as mães acabam por cair nos excessos. “Não mexas que esteve no chão. Não corras que podes cair [uma descoberta mais importante do que a Teoria da Relatividade]. Não grites que ficas rouco. Não andes na terra que te sujas. Não pules que te cansas. Não mexas na flor que tem pólen e espirras. Não saltes que podes cair [e vamos parar aqui com os “não-qualquer-coisa” que acabam em cair]. Não tires o barrete que te constipas. Não comas depressa que te engasgas. Não comas devagar que te... olha, não sei, mas que acontece qualquer coisa!”
A maior parte das vezes, as frases são ditas num tom professoral. E têm sempre uma segunda parte pronta para atirar: “Estás a ver? A mãe não te disse?!?” Disse sim senhor. E é por isso que as mães são o Cavaco Silva das questões parentais. Colocam aquele ar doutoral, como quem vai dar as coordenadas a seguir escrupulosamente sob pena de o mundo poder descambar, e aí vai disto. Claro que, à medida que as crianças crescem, passam a actuar da mesma maneira que os cidadãos deste país perante os discursos do Cavaco: o nosso Presidente até pode dizer coisas acertadas, mas ao quarto parágrafo já ninguém tem pachorra para ouvir o que ele está a dizer.
Sinto um coro de protesto das três mães leitoras deste blogue. Tenham calma. Porque se as mães são o Cavaco, os pais são o Bloco de Esquerda. Somos fantásticos na aplicação do discurso liberal, principalmente nos casos em que depois de haver cacos não nos cabe a nós ir limpar. “Corre à vontade à beira dessa falésia! Faz um buraco na terra para te meteres lá dentro! Não comas isso se não te apetece! Copia os trabalhos de casa, só mostra que és esperta!” Face a esta liberdade sem barreiras, é inevitável que a mãe-Presidente, sempre atenta, acabe por intervir: “Mas quem é que depois lava a roupa suja da terra?”
Lá está. Mesmo correndo o risco de ser linchado por alguns pais-leitores, devo salientar que em alguns casos a mãe-Cavaco até pode ter razão. Mas há alguém que dê ouvidos ao Presidente? É que ter razão é tãooooo chato!

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

DENTIÇÃO DE CROCODILO


O bebé está com febre? Oh, isso é dentes. O bebé está a esfregar o ouvido? Dentes, é dentes! O bebé está repousado e alimentado e mesmo assim continua a chorar? Dentinhos, vem aí um dentinho. O bebé está rezingão? É a moinha dos dentes. O bebé está vermelho? É um dente a romper! O bebé está… É dentes, já sei!!!!
Os dentes da Maria começaram a “aparecer” tinha ela uns três meses. Todas as semanas nos anunciavam que vinha aí um dente. Dedo experiente a apalpar a gengiva e veredicto taxativo: “Está mesmo mesmo a nascer! Mais um ou dois dias!” Passava uma semana e nada. Mas nós já sabíamos que todos os incómodos entretanto ocorridos eram originários naquele dente que está quase a romper mas que não há meio de se despachar. E assim se passaram os meses, com os malandros sempre escondidos ali à porta, manhosos, mas a gente já vos topou, não pensem que nos enganam, não senhor.
Aos oito meses, o dente que tinha sido “avistado” aos três meses e causado tantos estragos, finalmente mostrou a cara. Um risquinho branco a sobressair numa gengiva avermelhada. Agora, partilha o salão bocal com um vizinho, instalado mesmo ao lado dele. E quando surge uma nova moinha, ou febre, ou má disposição, a que se deve? Ora, então não se vê que a culpa é dos outros 62 dentinhos cujo nascimento já foi anteriormente prognosticado? Teimosos, hein!?! Assim, nunca mais a Maria tem a dentição de crocodilo completa!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

REGRESSO CHUVOSO

Na segunda-feira, após um mês inteiro de Maria em casa (e uma semana inteira de Maria em casa só com o pai), regressámos às rotinas anteriormente descritas como uma espécie de expedição lunar. No primeiro dia, os hábitos de férias manifestaram-se com o prolongar do sono. Em vez de ser o pai a acordar com o palrar intenso e as batidelas de pés nas grades da cama, tive de ser eu a ir acordar a Maria. Não levou a mal, após uns prolongados bocejos. Limpos e vestidos, lá partimos rumo à base-escola. Temia-se que houvesse uma demonstração de desagrado, após tanto tempo com os pais, na altura de a deixar. Entrámos numa uma escola renovada e colorida. E com um dispensador de líquido à entrada, para os pais lavarem as mãos da gripe A.
A Maria demorou tempo a olhar e assimilar as novidades. Na passagem de testemunho, fitou longamente a auxiliar de que tanto gosta. Nem um pio no colo dela. Nem um pio já sentada no chão junto aos coleguinhas. E nem um pio quando o pai se despediu com um “até logo”. Estava absorta numa expressão “até que enfim, estava a ver que nunca mais me trazias para aqui outra vez”. Não houve choro, portanto. Houve sim um vazio, instalado sorrateiramente no pai, que demorou alguns minutos a passar. Era uma segunda-feira transvestida de quarta-feira chuvosa. Mas a Maria só viu o sol.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

CRIANCICE PATENTEADA #6:
SALTOS (ALTOS) NO BERÇO


Problema: Hmmm... talvez... a minha filha tem os pés feios?!?
Solução: sapatinhos de salto alto apropriados para 0-6 meses
Curiosidade: Os saltos são moles; os sapatos não são desenhados para andar neles
Slogan: “Sem intenção de magoar as crianças”; “AVISO: pode causar sorrisos extremados e riso histérico quando utilizados (algo que é completamente normal)”
Efeitos colaterais: infelizmente, parece que não é possível o salto espetar-se sem querer num olho dos papás que comprem os sapatos.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

PAI-CÁBULA


Já passou a metade da semana em que estou (mais) responsável pela Maria. Com a escolinha fechada e a mãe de regreso ao trabalho, a coitada não teve outra possibilidade senão passar uns dias intensos só com o papá. Quando escrevo estas linhas, já lá vão dez refeições, talvez o dobro de fraldas, e o triplo ou quádruplo de vezes em que apanhei a fronha de dormir/descansar do chão.
A Maria serenou com a perspectiva de ser tratada por mim quando viu as cábulas deixadas pela mãe. Uma folhinha inteira, frente e verso, com as rotinas diárias, mais uma pequena com o menu do dia e ainda um post-it com lembranças de última hora. Com as fraldas, os cremes, as roupas razoavelmente controladas, dediquei maior atenção à preparação das refeições. Li tudo como quando vejo uma receita, assim na diagonal, na expectativa de decorar os passos de forma automática. Mas como não é raro terminar os cozinhados e lembrar-me “ups, faltou o sal!”, no segundo dia li as directrizes alimentares com mais cuidado.
Tenho a vida facilitada, confesso. O leite matinal é rotina já de longa data. Ao almoço, a sopa está feita e é só preciso aquecer, juntar um pedaço de carne triturada, de peixe desfiado, de gema de ovo cortada. Migar uma banana ou descascar e triturar um pêssego, uma maçã ou uma meloa. Ou cortar uma manga ou uma papaia e fazer “sumo”. O lanche varia entre leite, iogurte com o resto da fruta e bolacha partida, ou papa. Ao jantar, o turno da mãe já está de serviço à filha.
Entre as refeições, há tempo para verificar as evoluções da Maria. Sentada no hall, hesita em colocar-se na posição de gatinhar. Fica ali presa no último momento, no impulso decisivo que ainda falta, nesse salto de coragem e de fé que a colocará de mãos no chão, depois de aterrar de cabeça umas quantas vezes. Nesse impasse, gera-se o desconforto. Surge o pedido de auxílio para que a coloquem na posição inicial. Sento-a. E ela descobre que consegue movimentar-se, mesmo sentada. De marcha-atrás em busca do brinquedo longínquo. E sem precisar de cábulas, como o pai precisou.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

DEZ MESES, TRÊS DELITOS

A Maria cumpriu dez meses. Eis os traços de escorpião esta amostra de gente começa a demonstrar.

1 – BIRRA DO SONO
Olhos vermelhos. Mão a coçar os olhos. Olhos ainda mais vermelhos. Bocejo atrás de bocejo. Lá vai a mão novamente. “Tens soninho filha, vá dorme”, enquanto se deposita a fronha na mão dela. Dormir? Qual quê! Fronha fora, choro convulso, arquear do corpo do carrinho (na cama, nesta fase, nem vale a pena tentar). Não durmo, não durmo, não durmo. Receita? Só lá vai com paciência, música clássica, embalar do carrinho. Até que a birra ceda ao sono. O pai especializou-se nesta tarefa. Consegue ver jogos de futebol e séries enquanto abana o carrinho com o pé.
Passo seguinte: colocar pesos no carrinho para exercício do pai.

2 – VAI BUSCAR!
Os copinhos colocados no tampo da cadeirinha para ela brincar enquanto come? Chão. É tão giro ver os papás apanhá-los! A fronha para adormecer? Chão. É tão giro continuar a fazer birra! Os múltiplos brinquedos com que interage no chão? Assim que se aborrece, voam pelo quarto fora. É tão giro ver os outros irem apanhá-los para colocar no saco. E por aí fora...
Passo seguinte: instalar cestos de basquete em várias partes da casa. Assim, enquanto atira os objectos, a Maria sempre pode ir praticando desporto.

3 – ALERGIA AO TROCADOR
A Maria, assim que assenta as costas no trocador, tenha sono ou não, esteja bem ou mal disposta, começa logo a berrar. Ela que até dá logo sinal quando tem a fralda suja (gosta de estar limpinha), tem uma alergia enorme à posição deitada e principalmente quando é no trocador. Para a distrair, canta-se, dança-se, assopra-se na testa, faz-se cócegas, dá-se coisas para a mão. Há vezes em que nada resulta a não ser o regressar à posição vertical. Antes disso já conseguiu raspar a tinta da parede com a escova e deitar cinco ou seis objectos para o chão.
Passo seguinte: trocar a escova por um pincel com tinta e colocar o trocador junto de partes da parede que precisem de retocar a pintura.