terça-feira, 30 de junho de 2009

RUMO À BASE-BERÇÁRIO


08h00 – Som de pés a bater em ripas de madeira. Indício de que a astronauta-bebé acordou. Início dos preparativos para a expedição com o nome de código Rumo à Base-Berçário.
08h02 – O receptáculo de combustível é acoplado ao mini-aquecedor. Simulação de nave a descolar, com direito a saída de fumo pelos lados.
08h05 – Almofadas de gravitação e lenços de papel instalados na grande cama hangar. Resgate do astronauta-bebé em ebulição.
08h07 – Acoplagem da protecção peitoral. Choro até à inserção da tetina na abertura do depósito. Sucção até atestar.
08h15 – Libertação de ar supérfluo. Burp! Burp!
08h18 – Limpeza do porão. Aplicação de creme protector. Mudança do revestimento interior anti-fuga de líquidos e sólidos.
08h25 – Troca de revestimento exterior. O técnico de serviço aplaude-se sempre que completa (correctamente) a remoção ou inserção de uma peça.
08h30 – Operação de emergência para atarraxar o braço extensível do astronauta-bebé que saiu disparado ao tentar colocar a blusa.
08h32 – Depósito momentâneo do astronauta-bebé no hangar gradeado para higienização e equipamento do astronauta-adulto.
08h50 – Preparativos finais para a partida. Adição de capa e chapéu protector. Aplicação de soro para desentupimento dos orifícios respiratórios.
08h51 – 3... 2.... 1... Descolagem! TCHHHHHHHHHHHHHHSSSSSSHSSSSS.
08h52 – Contacto com formas de vida extraterrestres que vivem no espelho do elevador. São dois seres mutantes que riem exactamente como o astronauta-adulto e o astronauta-bebé.
08h53 – Contacto com formas de vida humanas que vivem no átrio do prédio. Utilização de códigos comunicacionais para espécie-porteira que primam pela repetição continuada das mesmas frases ao longo do tempo.
08h59 – Saída exploratória do mundo exterior, após audição pela 176.ª vez que o miúdo-nave do nono andar é o namorado da bebé-foguetão.
09h00 – Aviso de sobrecarga do sistema. Pausa para restabelecimento total dos sinais vitais.
09h02 – Paragem no posto de comércio de víveres da esquina. Análise sensorial do pássaro na gaiola e da águia disfarçada de humano benfiquista que dirige a loja.
09h07 – Sintonização do rádio de bordo para a frequência MT [Música-Trauteada].
09h10 – Análise sensorial de um canteiro. Computador de bordo regista os espécimes como “flores ásperas de cidade”.
09h15 – Chegada à base-berçário. Troca de relatórios sobre estado do astronauta-bebé com a responsável das instalações. Indicação sobre eventuais trabalhos de manutenção a efectuar.
09h20 – Verificação de que astronauta-bebé está imerso nas tarefas de socialização com outras formas de vida e análise dos objectos encontrados na base-berçário.
09h27 - Descolagem do astronauta-adulto.
09h30 – Mimetismo do filme 2001 Odisseia no Espaço. Deambulações pelo espaço escuro e vazio.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

HUMOR FEDORENTO

Na sexta-feira a Maria indicou que desejava efectuar algumas alterações no horário de deitar e levantar. Ficou acordada um bocadinho até mais tarde e no sábado acordou uma hora depois do habitual. Os pais não se importaram nada com esta decisão que voltou a repetir-se de sábado para domingo. Ontem, ficou claro que a Maria ainda queria ir um pouco mais além. Eram onze da noite e ela ainda de olhos bem abertos. A mãe deitou-se e o pai ficou a ver na televisão Os Contemporâneos.
Estava tudo a correr bem e de repente, lá estava ele, o senhor Nuno Markl... Constatei que a cria dele vai mesmo marcar presença no humor que destila: o carrinho de bebé era o protagonista de um sketch. Para não dar mesmo hipótese nenhuma, convocou os amigos Bruno Nogueira, Nuno Lopes, Eduardo Madeira e companhia. Um exército do riso em peso, a esfregarem-me piadas de berçário na cara. “Assim é demais, não tenho qualquer hipótese!”, conclui, já a antecipar que a seguir vêm os sketches com o conteúdo das fraldas e tal.
A minha única salvação seria a Maria estar a dormir. Timidamente, olho para dentro do carrinho. Encontro dois faróis bem abertos. E um sorriso rasgado, boca aberta e tudo. Percebi então que nas mudanças de horário da Maria jazia uma única razão: ver os Contemporâneos e o Markl. “Da du da”, disse ela. Nitidamente um “És capaz de me virar para eu ver a televisão em vez de a tua fronha?!”
Fingi que não percebi. Apaguei a televisão, coloquei-a na cama e fui deitar-me a pensar como é que vou convencer os Gato Fedorento a aliarem-se a mim. Ó Ricardo, não queres fazer uma perninha aqui neste blogue, hum?

sexta-feira, 26 de junho de 2009

CONTROLE ABSOLUTO


Vou fazer de advogado do diabo, mas porque sou medroso vou ali buscar ajuda de um dos homens mais durões do cinema: o Clint. Numa entrevista publicada na Esquire, o senhor Eastwood recorda a visita a uma enorme cascata num glaciar islandês. Adultos e crianças assistiam ao espectáculo a partir de uma plataforma rochosa. Apenas um corrimão os separava do abismo. Clint pensou que, nos Estados Unidos, aquele local seria “selado” com grades e protecções de todo o tipo, devido ao medo de que alguém caísse e depois ainda aparecesse um advogado “bem” intencionado à procura de sacar dinheiro. Mas ali na Islândia, a mentalidade era como nos velhos tempos da América: “Se caíres, é porque és estúpido.”

A história é engraçada mas é a ideia seguinte que interessa para o caso. “Não podemos evitar tudo de acontecer. Mas chegámos a um ponto em que estamos certamente a tentá-lo. Se um carro não tem quatrocentos airbags, então não presta.”

Com a paternidade passa-se o mesmo. Compreensivelmente, queremos eliminar todas as hipóteses de que algo mau aconteça aos nossos filhos. O receio é tanto que instalamos airbags por todo o sítio. Das simples protecções para as esquinas das mesas e tomadas eléctricas, ao aparelho para monitorar a respiração do bebé que dorme. Ficamos obcecados pelo controle absoluto do ambiente físico em que os nossos filhos gravitam.

Mas mais que isso, agora também se procura acolchoar o lado emocional das crianças. Nada de lhe mostrar a faceta triste e sombria da vida, quanto mais pensar ou divulgar a ideia de que ela é... finita. O mundo ocidental lida mal com a perda. Gostamos da ideia propagada pela medicina de que seremos todos eternos. E adoramos pensar que os nossos esforços eliminam o incontrolável. Quando no fundo, só existe uma única certeza a partir do momento em que nascemos.

Qual é? A de que se amanhã este blogue não apresentar um post com piada (suposta e sujeita a confirmação, claro), ainda chamam o Clint para dar cabo de mim ao velho estilo americano.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

CHANTAGEM EMOCIONAL


Um passarinho informou-me que o Nuno Markl, no Há Vida em Markl, se estava "a fazer" aos blogues de pai. Eu bem sei que o homem não precisa propriamente de se "fazer" a nada, que já está feito, ou vai-se fazendo, e que o bebé dele também já está concretizado, nem sequer é uma hipótese humorística. Mas a ser verdade, temo que os leitores já angariados por este espaço, ainda fujam para o planetóide contemporâneo dele e me deixem aqui sozinho com o Agridoce (se não sabem quem é, procurem-no nos comentários).
Esta era a oportunidade ideal de começar a explorar a sério a Maria. Metia aqui umas fotos dela, se possível numa reinterpretação do famoso quadro do menino que chora, e com a legenda "Não me deixem, não?". Acontece que ainda não estou preparado, mas concedo que há alguma hipocrisia nesta posição. "Ora então o tipo despeja ali a vida toda, a intimidade, e depois não mete uma fotografia? Pffff!" A questão é pertinente e não fujo às balas. AIII. Mas atirem com menos precisão e potência por favor!
Confesso alguma inépcia e desconforto neste exercício público de exposição, entre o informativo e o voyerista, o egocêntrico e o altruísta. Este projecto passa muito por criar uma memória que possa ser (re)visitada, por mim, pela mãe, pelos familiares, pelos muitos/as amigos que são "tios/as" emprestados (mas não é "tios" ao estilo "sei lá, o menino está a ver?"), e até por desconhecidos que com o tempo considerem já pertencer à casa. Gostava de criar um mapeamento de como cresce uma criança para que mais tarde não fique tudo semi-obscurecido nos confins da memória. O registo também seria um diário "virtual" para mais tarde a Maria ler. É aqui que o problema ainda se agudiza mais:

1) ninguém me garante que os blogues não se extinguem até ela saber ler;
2) ninguém me garante que ela só venha a querer ler o blogue do Markl;
3) ninguém me garante que ela só deseje é esquecer estes anos passados com o pai;
4) ninguém me garante que ela (ou a mãe?) não contrate o Garcia Pereira para me colocar um processo de abuso de imagem e trabalho infantil.

Se calhar para evitar complicações futuras, quando me decidir a expor publicamente a Maria, o melhor é enviar uma fotografia dela para o Há Vida em Markl. Tá bem tá... ELE que a publique!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

JÁ NÃO SOMOS ADULTOS

Muito interessante artigo na The New Yorker sobre a questão da paternidade. A autora ilustra a invenção deste novo “estado da vida” com base no percurso de uma revista norte-americana dedicada ao tema. Jill Lepore esclarece que “a noção de que a paternidade é um estado da vida distinto [dos restantes: adolescência, idade adulta, terceira idade, etc.], partilhado por homens e mulheres, está historicamente na infância”. No passado, ser-se adulto era algo que já incluía a paternidade. “Uma vida normal costumava ser assim: nascido numa família em crescimento, ajudava-se a criar os irmãos, tinha-se os primeiros filhos muito cedo, e morria-se antes do filho mais novo sair de casa.”

Depois as pessoas passaram a ter maior esperança de vida, a ter menos bebés e a adiar o início da própria família. E o conceito de casa familiar comum desagregou-se por causa da autonomia precoce dos filhos. Todas estas mudanças levaram a que “a paternidade se tornasse algo diferente, algo grande, algo planeado”. Por isso, chegada finalmente a hora, após muita ponderação e dúvidas, grande parte dos pais simplesmente não sabe como criar um bebé. Inexperientes e inábeis, ainda por cima podem ver vedado o auxílio dos avós, face à crescente dispersão geográfica familiar.

Arrepia o dado estatístico de que actualmente, nos Estados Unidos, as pessoas que criam crianças são uma minoria.

Dado o contexto, os pais andam todos inseguros à procura do melhor rumo nas questões da paternidade. Esta empatia provoca a proliferação dos blogues-bebés e dos livros escritos por pais e mães . Segundo a síntese de Jill Lepore, as mães procuram o perdão (por não conseguirem ser as super-mamãs que desejam) e os pais procuram o aplauso (por serem papás dedicados como nunca).

Por mim, as mães estão perdoadas. Tal como apontado no artigo, a nossa sociedade não tem dado resposta positiva às especificidades parentais. “A maior parte dos postos de trabalho estão feitos para pessoas que não têm de tomar conta de crianças. (...) Pede-se aos empregadores que acomodem a vida familiar de forma significativa, mas são os empregados que fazem todas as adequações, o que especialmente para as mulheres envolve fingir que, na verdade, não se tem família.”

E é assim que, na nossa sociedade “moderna”, vivemos cada vez mais divididos entre os que pertencem ao estado adulto e os que pertencem ao estado paternal, fruto de incompreensões e intolerâncias.

Quase que dá vontade de regressar à infância, não é?

terça-feira, 23 de junho de 2009

BEBÉ MUSICAL


Vinha escrito em vários livros os benefícios da música em relação ao desenvolvimento do feto. Música a todo o momento e toda a hora. Ora aqui está um daqueles “mandamentos” que à partida não me causa nenhuma resistência. Fixe! Vamos a isso! Toca por isso de passar noites à frente da estante dos CD a compilar uma selecção musical para grávida ouvir. Mas com regras: um repertório de faixas melodiosas que proporcione bem-estar à dupla maravilha.
Mau, Maria. Num piscar de olhos, sub-repticiamente, instala-se uma ditadura musical que remete o rock alternativo mais estridente para o domínio envergonhado dos auscultadores. Juro a mim mesmo que a derrota não será total. Fica o aviso feito: nesta casa não entrará nenhum CD com músicas para bebé.
Uma semana depois, recebo uma encomenda via correio remetida por um casal de amigos belgas. Não contentes com a humilhação e censura silenciosa já existente das minhas preferências musicais, fizeram questão de enviar por correio um contributo próprio: um CD-Baby em flamengo. “Rustgevende muziek voor baby’s en peuters”, esfrega a capa do dito na minha cara.
Já desconfiava que eles não eram o casal cool que eu pensava! Quanto a mim, sou incorruptível. Pelo menos durante os 15 dias em que resisto estoicamente, até juntar ao exemplar belga mais uns quantos discos-Baby disto e daquilo. Arranjo para mim próprio um excelente álibi: são de música clássica! Bem, adaptada para bebés, ok... mas clássicos!
Ainda assim alguma coisa devo ter feito bem. Hoje em dia, é ao som do magnífico hino-primaveril Breathless do Nick Cave que a Maria acalma o choro convulsivo. E dança com o papá.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

OVO DE COLOMBO

O ponto alto deste fim-de-semana foi proporcionado pela visita familiar que trouxe até à Maria a companhia da prima que está quase com cinco anos. Está claro que as duas ainda não brincam juntas pelo que tenho de fazer as honras da casa. E é assim que entre as actividades mais normais – saltos e correrias, ataques de cócegas – dou por mim a entrar numa sala cheia de adultos, imitando um pinto, com os braços arqueados como se fosse um coelhinho (mas porquê? que têm os coelhos a ver com os pintos?!) e os joelhos flectidos. À minha frente, segue uma galinha menor do que eu. Entre os piu, piu, piu e os có-coro-có-có dou-me conta, lentamente, do possível ridículo da situação. Mantenho-me fiel à personagem até ir ao fundo do quarto e voltar, de regresso à nossa capoeira secreta. A meio do caminho, a galinha vira-se para mim e diz:

- Pronto, agora não vamos fazer mais isto!

Fico especado alguns segundos com o corpo dobrado, sem saber bem o que fazer. Pareço um pintainho perdido num mar de dúvidas existenciais até retomar a consciência humana e ir atrás da menina de cinco anos que já não tem nada de galinácea.
De noite, já novamente com a casa mais vazia, ponho-me a pensar na minha incursão avícola vespertina. Concluo que para brincar com crianças às vezes precisamos de perder o medo de parecer ridículos. Rejeitar a compostura séria dos adultos para podermos regressar – nem que seja momentaneamente – ao mundo do faz-de-conta, onde tudo é possível e nada parece... infantil. Ainda assim, felizmente que não me pediram para pôr ovos.

domingo, 21 de junho de 2009

DESCANSO DOMINICAL

Tal como o Outro, este blogue vai passar a descansar aos domingos. Até porque é dia de família, dizem. Portanto, o que é que estão aqui a fazer?

sábado, 20 de junho de 2009

O CÓDIGO DAS HORMONAS


A gravidez, diz-se, é um período excepcional para as futuras mães. E para os pais também será? Parece óbvio que sim. Afinal, todos os homens são criados e formatados desde o leito (materno, lá está), para aturarem tudo e mais alguma coisa da parte da companheira durante os nove meses de "estado de graça". Das avós às mães, tudo avisa: “Prepara-te filho, tens de ter paciência...”

São diminutas as hipóteses de escapar aos súbitos acessos de choro e mudanças de humor. E a culpa não morre solteira. É sempre das hormonas, entidades sobrenaturais, perfeitamente incontroláveis por parte das mães grávidas. Julgo que este estado de imputabilidade comportamental deve constituir a maior e mais conseguida conspiração do reino das mulheres sobre os homens. Uma vingança secreta sobre as infidelidades e infantilidades dos machos, sem hipótese de apelo no tribunal da razão.

Porque se a mãe chora, o bebé por nascer vai senti-lo. E ninguém quer ser o responsável por o bebé ser infeliz, pois não? Resta ao papá passar a viver de pantufas, evitando ao máximo perturbar a pobre mamã.

Por isso, caladinhos sim?! Engulam lá isso em seco e toca de compreender a infelicidade da mamã que não é mais do que uma felicidade imensa transtornada por umas hormonas mázonas que dão vontade de chorar quando no fundo existem boas razões para sorrir, embora haja alturas em que a vida parece um drama porque vem a caminho uma coisa maravilhosa, mas o dia nasceu solarengo e isso provoca a neura da mamã que tanto queria estar bem disposta mas, que querem, isto de estar grávida dá para a tristeza por ter um bebé lindo a caminho, a natureza é verdadeiramente fantástica que até dá vontade de verter lágrimas... ufa...

Ao pé desta trama hormonal com tanta reviravolta e mistério (“é assim que as coisas são, não vale a pena tentar compreender!”), o Dan Brown – O Código da Vinci, Anjos e Demónios – não passa de um mero aprendiz de feiticeiro.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

PATERNIDADE RESUMIDA


Recentemente estava a falar com um amigo meu também grávido – agora já pai – e perguntei-lhe se andava num curso de preparação para o parto. Queria avisar-lhe da dificuldade em fazer a piada do bebé que cai ao chão enquanto fingimos dar-lhe banho. Ele disse-me que a futura mãe estava num curso desses, sim senhor. E que ia acompanhada pela mãe dela.

- Então e tu, não vais? – perguntei estupefacto.
- Claro que sim. Há uma aula que é só para os pais. Vou a essa.

Senti-me um bocado idiota. Então há uma versão resumida do curso para papás, tipo “saiba-numa-hora-tudo-o-que-há-a-saber-sobre-o-seu-filho” (um digno sucedâneo das “obras de Shakespeare em 90 minutos” ou lá que é), e não me avisaram? Uma alternativa ainda mais rápida ao livro que está por editar de “Paternidade para totós” e escondem-me isso?
Apercebi-me nesse momento de que fora vítima de uma conspiração. Tudo havia sido meticulosamente preparado para a humilhação da piada falhada. O safado do H. nem me tinha instruído devidamente, omitindo certamente um passo fundamental do processo de deixar cair o boneco.
Apeteceu-me logo avisar o meu amigo para ter cuidado com os nenucos que lhe pusessem à frente. E, tendo em conta os antecentes históricos familiares, se eu fosse a ele tinha era mandado o sogro à "aula resumo"!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

CUIDADO COM OS VAMPIROS


Para mim, a palavra Estefânia significava ir comer vegetariano numa cave. Ontem, representou conhecer mais um hospital de Lisboa. Devia haver uma espécie de passaporte para os utentes irem coleccionando carimbos dos diferentes hospitais e centros de saúde. Até já estou a ver o espírito de solidariedade entre os hipocondríacos: “Ainda não tens este do Santa Cruz? Mas olha lá, então aí há uns meses não te andavas a queixar do peito? Oh pá, o médico de família que te ausculte bem para ver se vais lá parar e te carimbam a cédula!”
Desta vez, na Estefânia não estava rodeado de vegetais e seitan mas sim de “Oh Martim, venha lá aqui ter com a mãe...”, de “DIOGO, TÁ QUIETO!” e de “Evgeniy, сидеть”. O Hospital da Estefânia parece uma creche multicultural a transbordar de movimento e energia. Estático só mesmo o funcionário sentado atrás de uma mesinha que executa a “triagem” dos utentes, carregando num botão que atribui uma senha A, B, C ou D. Calhou-me uma A, espectáculo, e dei por mim sentado na sala de espera, manhã cedinho. Olhei para os lados, para a frente e para trás e nenhuma das crianças era a minha. A Maria estava no berçário. Credo, como vim aqui parar?
Para me distrair comecei a ler os artigos que tinha levado (um deles excelente, sobre o Frank Sinatra, publicado pela Esquire há umas dezenas de anos e agora disponível no website). Só após três horas é que percebi cabalmente o significado da minha presença, quando pediram à Maria para se dirigir ao “gabinete número pschhhhh” (nestes sítios nunca se percebe a porcaria dos nomes das pessoas ou gabinetes através dos altifalantes, não é?). A Maria era eu. Ou eu era a Maria. Apercebi-me de que agora é ela que conta e levantei-me tão apressado, com medo de perder a vez, que bati na cadeira em frente com estrondo. Pareceu deflagrar uma bomba que assustou a sala inteira. “Desculpem, desculpem...” enquanto arrumava a cadeira, súbito pele-vermelha, mas com pressa de ir para o gabinete... er... qualquer coisa.
Antes disso já tinha ido a um guiché (onde declararam que tinha a senha errada; palmas para o senhor sentado atrás da pequena mesinha), escrito num papel o que me levava ali, entregue o dito à auxiliar de serviço que o passaria ao doutor Xpto, e regressado às minhas leituras até ser importunado pelo chamamento da Maria. Perdão, até ser agraciado pelo chamamento da Maria (obrigado filha pela deliciosa manhã proporcionada!).
Tudo isto porque semanas atrás um cirurgião pediátrico nos dissera ser necessário corrigir o “quisto branquial direito com trajecto fistular” descoberto no pescoço. Por outras palavras, ela tem um furinho naquela cena que liga o tronco à cabeça. A operação foi rotulada de “engraçada”, mas com o acrescento apropriado de “para nós claro, os pais não acham graça nenhuma”. As aparências enganam e a consulta com este médico zen – no telefonema para o colega que me atenderia na Estefânia despediu-se com um “paz, irmão” – foi das melhores a que já assisti: apaziguadora e reconfortante, sem omissão dos factos (nada de preocupante, mas trata-se de uma intervenção no pescoço). Ficámos de tal forma rendidos que nem procurámos segunda opinião. “É para operar, certo? Vamos a isso!” Até porque é o pescoço dela, nem é o meu, pfff.
Só espero que este (invulgar) furinho não seja prenúncio de que ela mais tarde abrace uma tendência muito em voga: as paixonetas por vampiros. Pelo sim pelo não, nada de lhe mostrar episódios da série True Blood (por muito que me custe!). E muito menos livros e filmes da saga Twilight da Stephanie Meyer (estes já não me custam nada!). Mas a coisa que me preocupa a sério nesta história toda é que... uma manhã inteira na Estefânia e não é que me esqueci de pedir uma carimbadela para começar a minha colecção?

quarta-feira, 17 de junho de 2009

DAR BANHO AO CHUCKY


Lá para o fim da gravidez, frequentámos um curso pré-parto. No sítio que escolhemos, as aulas são orientadas para serem partilhadas pelo casal. Foram horas de grande utilidade. Antes de mais, aumentei o meu léxico com palavras como episiotomia (digam lá se não faz falta a um homem saber o que é isto, hein?!) ou ocitocina. Depois, fiquei mais conhecedor desse estado estranho a que chamam maternidade e sobre a qual andamos sempre a ouvir “vocês homens não entendem nada destas coisas”.
O meu amigo-mano-de-vida H. também frequentara um curso deste tipo. Certa vez, ele deixou cair o boneco com que treinava dar banho do bebé. Ups... Riso generalizado na aula, eheheh, que engraçado e tal. Eu, feito macaco de imitação, andava excitado com a hipótese de fazer a mesma brincadeira. E quando surgiu a oportunidade, lá fingi que ia deixando cair o boneco. O casal à minha frente fitou-me impávido. “Elá, ia sendo, eheheh”, disse eu para quebrar o gelo. Zero reacção. Nada. Nadinha. Hmmm... Olhei para o boneco, que antes estava com um sorriso nos lábios, e o sacaninha mirou-me da mesma forma. Ao meu lado, a AV fingia que não era nada com ela (e não era). Passei a mão pela cabeça do nenuco e disse baixinho: “Pronto, já passou, foi uma brincadeira...” Ao que ele respondeu: “Brincadeira parva, não é? Ou ainda não percebeste que não tens piada como o tio H?”
Nesse momento apeteceu-me fazer uma episiotomia à boca do raio do boneco e depois despejar-lhe um litro de ocitocina pela goela abaixo. Em vez disso, acabei de o secar gentilmente com a toalha. Deixei-lhe as virilhas húmidas de propósito. Agora assa aí meu Chucky de meia-tigela!

terça-feira, 16 de junho de 2009

MUDAR DE CASA


Este fim-de-semana a Maria virou-se para mim e com os olhos perguntou: “De quem é aquele quarto com as paredes verdes?” Percebi logo que ela queria mudar-se. Tem sete meses e meio e a transição de quarto é praticamente como se saísse de casa. No sábado lá pegámos na caminha e instalámos no novo sítio. É longe. Fica a bem mais de quatro ou cinco metros à vontade do nosso quarto. E não me parece que o trajecto seja servido por uma carreira de autocarros.

De noite pairavam no ar sinais de preocupação. Eu dormi o tempo inteiro a pensar no assunto. A AV acordou umas vezes a pensar no assunto. A Maria atravessou-se como habitualmente e meteu os pés entre as grades. Dormiu sossegadamente ao som do ruído tipo frigorífico ou ar condicionado que simpaticamente o nosso vizinho instalou por cima do quarto dela.

Agora sim, somos uma família “verde”. Não só temos umas paredes dessa cor, como poupamos energia ao não precisar de ligar o exaustor da cozinha para adormecer a Maria (muito útil no passado, tornou-se cada vez menos necessário). Simplesmente adoráveis estas construções de “prédios comunitários”, onde se partilha tudo o que os vizinhos fazem entre paredes. Seja uma ida à casa de banho ou uma conversação no messenger (ouve-se bem o “triiiióoooim” quando chega mensagem nova).

Agora, a principal preocupação é perceber o que fazer àquele vazio no nosso quarto. Até parece que acrescentaram uma enorme parede branca despida. Além disso é estranho voltar a contar dois em vez de três. Filha, queres voltar para casa mais uns tempos?


Diz que não. Vive em paz, entre paredes alface, com a ursinha Dada e o sapo Sapolas (desconfio que o verdadeiro nome seja Luigi dado estar vestido com uma típica toalha de mesa italiana). E o maravilhoso som de exaustor sempre ligado.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A CORES E 3D

Sempre achei intrigante o negócio de venda de DVD com o filme das ecografias. Até a magia das próprias “fotografias” é algo que me escapa. Sempre que os meus amigos e colegas sabiam que íamos a uma consulta, pediam para eu depois lhes mostrar as imagens. “Então, não trouxeste para vermos?!?!”
Mas ver o quê, precisamente? “És mesmo tolo! Então, ali está ali a cabecinha... e ali os bracinhos! Então não se vê tão bem? As costinhas aqui, as perninhas... e os pezinhos, hum, tão perfeitinhos?” Não, não vejo nadinha, desculpem lá. São mais contornos e inícios ou indícios de algo. Tá ali uma manchinha preto e branco, umas formazitas pouco perceptíveis... “Ah, mas olha que já fazem a cores! E a três dimensões!”
Nunca tive sequer curiosidade de como seriam os filmes a 3D. Já disse que sempre achei intrigante o negócio de venda de DVD com o filme das ecografias? Por isso fui ao YouTube pesquisar exemplos. Apareceram-me logo uns excelentes, com música de fundo e tudo. Parece que até há a 4D. Sei que estas imagens serão do filho de alguém, mas os pais daquele bebé não devem estar entre as únicas sete pessoas que consultam este blogue. Atrevo-me por isso, com base no exemplo anexo, a fazer um aviso aos futuros papás. Acreditem: o aspecto deles melhora muito! Por isso, por que razão haveria eu de querer guardar recordações da minha filha na fase estou-a-fazer-um-teste-de-ecrã-para-protagonizar-o-próximo-filme-da-saga-Aliens?
Face à decisão tomada de não querermos DVDzito com cenas de 'embaraço', perdemos a hipótese de inscrever a nossa filha no concurso do Feijãozinho de 4 Meses com + Agilidade ou do Embrião + Bonitinho aos 6 Meses de Gravidez. Talvez um dia ela me culpe pela ausência dos filmes, ao perceber que todas as amigas e amigos montam matinés cinematográficas ao estilo “Indiana Quimzinho Jones à Procura da Saída da Barriga! Em 3D e a cores!”.
Nessa altura, se calhar passo a entender o negócio. Alguém tem uns DVD desses em segunda mão, pelo sim pelo não?

domingo, 14 de junho de 2009

TEORIA DA EVOLUÇÃO

Muitas vezes, o fim-de-semana significa uma estucha para a Maria. Ter de ficar dois dias inteirinhos com os papás? E os meus amigos do berçário? E a R. e a C. que tratam tão bem de mim? E aqueles brinquedos todos, o espaço grande... Eu aviso-a que ainda só tem sete meses e que portanto é muito pequenina para ter estes pensamentos. Mas pouco lhe importa. E então toca de nos dar uns mimos, ou seja, um berreiro volta e meia, comportamento que só confirma a ideia dos nossos vizinhos que a consideram um bebé choroso.
Ultimamente temos sido impelidos a sair de casa para a Maria acalmar o nervo. Um passeio pelo jardim, sob o agradável sol de fim de tarde, pássaros a chilrear... e um bebé trombudo. (Por mais voltas que dê à cabeça, continuo sem perceber a quem é que ela sai neste ponto específico.) Depois lá começa a rir-se, como se nos fizesse um favor.
O jardim que frequentamos é uma espécie de clube privado aos dias de folga do trabalho. Até colocam uma tabuleta que diz “entrada proibida a pessoas sem crianças”. Volta e meia encontramos amigos também com filhos. É impressionante como parece haver um espírito competitivo, quase inconsciente, entre os ritmos de evolução dos bebés. Ao pé deste campeonato, a teoria do Darwin é uma insignificância.
“Quantos meses tem? Sete? Então e já gatinha? Ainda não?!?! Ah, já devia, o meu isto, o meu aquilo...”. Já nos habituámos a estas comparações e, sempre que possível, lidamos com o assunto com uma boa dose de humor. Qualquer dia adoptamos esta resposta uniforme: “Ah, é que ela é tímida com outras pessoas. Em casa nem quis gatinhar, começou logo a correr e saltar obstáculos. Já mete a roupa dela na máquina, devidamente separada por cores. Escolhe e prepara a própria papa e está a iniciar o precesso de lavar e cortar legumes para fazer a sopinha. Além disso, tem arranjado tempo para aprender mandarim como terceira língua.”

sábado, 13 de junho de 2009

ATÉ À VISTA, MEU RAPAZ

A alegria de ser uma menina contrastou com a tristeza de ter de dizer adeus ao meu filho imaginário. De repente, parecia que o bebé a nadar em líquido amniótico na barriga da mãe era um estranho. Não o conhecia, ou melhor, não a reconhecia. Onde está o meu menino? Já estava tão habituado à ideia... Levou algum tempo mas depois... Depois foi a alegria imensa de saber quem vinha efectivamente a caminho. A Maria.
Ah, e o que é feito do medo e das viagens no papel, do nem penses? Não preciso de dizer que as mulheres são o sexo mais forte. Ou pelo menos mais convincente, pelo menos quando querem. E uma vez embarcado na aventura, marinheiro me tornei.
Como para todas as viagens efectuadas, procurei informar-me o máximo possível e, ao mesmo tempo, deixar espaço – mental sobretudo - para o acaso e o fora de rota. Nunca gostei de viajar à base de predefinições totalitárias. O percurso deve ter a flexibilidade suficiente para suportar abanões (sob pena de tudo poder desmoronar-se ao menor toque) e evitar que se torne numa empreitada demasiado controlada e asséptica.
Dito isto, gostei da perspectiva de não vir a ter jactos de xixi direccionados à minha cara quando mudar uma fralda. No fundo, eu bem sabia que era muito melhor ter uma menina...

sexta-feira, 12 de junho de 2009

ZOOM INDISCRETO

Nas primeiras ecografias, o “feijanito” (mas quem inventou estes termos a pensar que seriam uma forma mais ternurenta de tratar o embrião?) não mostrou nada do que queríamos saber. Ambas inconclusivas, não só pelo curto tempo de gestação mas também por uma arte própria do “girino” (esta é minha, mas não é menos parva) esconderem o sexo do aparelhinho que passeava pela barriga da mãe. Por essa altura, pelo sim pelo não, auto convenci-me de que era um menino. Até porque já estava avisado de que não se podia devolver o bebé à procedência caso se confirmasse ser um rapaz. E lá andava eu a criar laços com o matulão, pensando nas três ou quatro vantagens em relação às raparigas: jogar videojogos na consola, dar uns pontapés na bola, assistir aos Jogos Olímpicos. Só me importavam imagens estereotipadas. Nunca uma menina se interessaria ou faria tão bem estas coisas, nem pensar, ufa, ainda bem que vem aí um gajo.

- É uma muchacha! – disse o obstetra na consulta seguinte (ele todo vestidinho de um branco imaculado, da camisa aos sapatos).
- Mas tem a certeza doutor? – perguntei ansioso.
- Claro! Não estão aqui a ver a rachola?

Acreditem que ele utilizou esta expressão. E ainda por cima fez zoom. E lá estávamos; ela enorme, quase tão grande como a minha boca aberta de espanto. Foi a primeira vez que falou comigo: “Achas bem que esteja assim aqui exposta?!? Vais ficar aí especado?!?” Caramba, de facto, que falta de decência! A imagem incomodou-me. “Ó senhor doutor, por favor, não acha que já chega? Também não é preciso mostrar isso assim, francamente...” As frases ficaram só pelo pensamento. Afinal este era o médico que nos iria assistir até ao final da gravidez. Desviei o olhar, meio envergonhado, enquanto a rachola não saiu do ecrã... Quando voltei a mirar o risquinho preto e branco no ecrã, juro que ele me pareceu ter afirmado: “E não disseste nada. Fraquinho, és fraquinho...”

quinta-feira, 11 de junho de 2009

ATIRAR PARA O LADO

- Já sabes... Se queres uma menina, não te esqueças: aponta bem para a DIREITA!!!! – disse-me um amigo com a sua voz característica que estremece paredes.

Eu queria uma menina por todas e mais algumas razões, com memórias e homenagens familiares à mistura. A futura mamã acedeu à vontade, embora para ela tanto fizesse. Para mim não. Ter um filho homem era uma ideia quase pavorosa, sustentada por imaginações e recalcamentos de infância (julgo que a ideia que fazemos dos nossos primeiros anos nunca é fidedigna, mas sim uma construção estruturada em momentos captados por fotografias ou histórias contadas pelos familiares). Foram-me transmitidas várias técnicas de conceber meninas. O período de experimentação é o máximo. Posições assim e assado, olaré. Viva as teorias da concepção!
Mas quando os meses passam sem se obterem resultados, a excitação mistura-se com apreensão. É preciso afugentar todas as dúvidas que começam a surgir: De quem será a culpa? Conseguiremos? O que pode estar mal? Houve então uma noite em que me lembrei de apontar para a direita. Com muita convicção, saliente-se. Não me perguntem como ou porquê, mas tenho a certeza que foi nesse dia que concebi o meu bebé.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

É QUE NEM PENSES!

Prólogo:
A sério, nem penses nisso. Ainda tenho muito que fazer. Quero visitar o Médio Oriente, com passagem pelo Egipto e pela Turquia. E cruzar a América de ponta a ponta. E a parte da América Central? Já para não falar da região montanhosa do Norte da Índia e no Nepal. Também falhei Myanmar. E as Filipinas, Indonésia e Timor-Leste?
Não, desculpa mas ainda tenho pelo menos quatro ou cinco grandes viagens na cabeça. Não posso prescindir disso. Isto é um bichinho. Quando entra já não sai. Por isso nem penses, a volta ao mundo não é suficiente. Acho mesmo que não quero ter filhos. Além das viagens também tenho medo de ser um mau pai. Há coisas que me assustam, que não ultrapassei... Desculpa, desculpa, não posso mesmo. Se for racional só há boas razões para não ter filhos. E se necessário ainda recorro àquelas ideias feitas de “para que é que vamos meter uma criança neste mundo?”. Está decidido, comigo não. Nem penses nisso.

Epílogo:
O meu bebé tem sete meses.