quinta-feira, 18 de junho de 2009

CUIDADO COM OS VAMPIROS


Para mim, a palavra Estefânia significava ir comer vegetariano numa cave. Ontem, representou conhecer mais um hospital de Lisboa. Devia haver uma espécie de passaporte para os utentes irem coleccionando carimbos dos diferentes hospitais e centros de saúde. Até já estou a ver o espírito de solidariedade entre os hipocondríacos: “Ainda não tens este do Santa Cruz? Mas olha lá, então aí há uns meses não te andavas a queixar do peito? Oh pá, o médico de família que te ausculte bem para ver se vais lá parar e te carimbam a cédula!”
Desta vez, na Estefânia não estava rodeado de vegetais e seitan mas sim de “Oh Martim, venha lá aqui ter com a mãe...”, de “DIOGO, TÁ QUIETO!” e de “Evgeniy, сидеть”. O Hospital da Estefânia parece uma creche multicultural a transbordar de movimento e energia. Estático só mesmo o funcionário sentado atrás de uma mesinha que executa a “triagem” dos utentes, carregando num botão que atribui uma senha A, B, C ou D. Calhou-me uma A, espectáculo, e dei por mim sentado na sala de espera, manhã cedinho. Olhei para os lados, para a frente e para trás e nenhuma das crianças era a minha. A Maria estava no berçário. Credo, como vim aqui parar?
Para me distrair comecei a ler os artigos que tinha levado (um deles excelente, sobre o Frank Sinatra, publicado pela Esquire há umas dezenas de anos e agora disponível no website). Só após três horas é que percebi cabalmente o significado da minha presença, quando pediram à Maria para se dirigir ao “gabinete número pschhhhh” (nestes sítios nunca se percebe a porcaria dos nomes das pessoas ou gabinetes através dos altifalantes, não é?). A Maria era eu. Ou eu era a Maria. Apercebi-me de que agora é ela que conta e levantei-me tão apressado, com medo de perder a vez, que bati na cadeira em frente com estrondo. Pareceu deflagrar uma bomba que assustou a sala inteira. “Desculpem, desculpem...” enquanto arrumava a cadeira, súbito pele-vermelha, mas com pressa de ir para o gabinete... er... qualquer coisa.
Antes disso já tinha ido a um guiché (onde declararam que tinha a senha errada; palmas para o senhor sentado atrás da pequena mesinha), escrito num papel o que me levava ali, entregue o dito à auxiliar de serviço que o passaria ao doutor Xpto, e regressado às minhas leituras até ser importunado pelo chamamento da Maria. Perdão, até ser agraciado pelo chamamento da Maria (obrigado filha pela deliciosa manhã proporcionada!).
Tudo isto porque semanas atrás um cirurgião pediátrico nos dissera ser necessário corrigir o “quisto branquial direito com trajecto fistular” descoberto no pescoço. Por outras palavras, ela tem um furinho naquela cena que liga o tronco à cabeça. A operação foi rotulada de “engraçada”, mas com o acrescento apropriado de “para nós claro, os pais não acham graça nenhuma”. As aparências enganam e a consulta com este médico zen – no telefonema para o colega que me atenderia na Estefânia despediu-se com um “paz, irmão” – foi das melhores a que já assisti: apaziguadora e reconfortante, sem omissão dos factos (nada de preocupante, mas trata-se de uma intervenção no pescoço). Ficámos de tal forma rendidos que nem procurámos segunda opinião. “É para operar, certo? Vamos a isso!” Até porque é o pescoço dela, nem é o meu, pfff.
Só espero que este (invulgar) furinho não seja prenúncio de que ela mais tarde abrace uma tendência muito em voga: as paixonetas por vampiros. Pelo sim pelo não, nada de lhe mostrar episódios da série True Blood (por muito que me custe!). E muito menos livros e filmes da saga Twilight da Stephanie Meyer (estes já não me custam nada!). Mas a coisa que me preocupa a sério nesta história toda é que... uma manhã inteira na Estefânia e não é que me esqueci de pedir uma carimbadela para começar a minha colecção?

2 comentários:

Agridoce disse...

Eh pá, nem me fales em médicos! Enquanto não percebi que eles não passam de comerciantes da saúde alheia, a miúda passava a vida em hospitais e clinicas - antros de doenças e gente psicótica!
Há uns 3 anos que lhes cortei as vazas e a miúda raramente se constipa, sequer. Antes, era otites, gargantas, constipações, olhos, pele, a puta que os pariu!
Um conselho, se me permites: 2.ª opinião sempre. Vais aperceber-te que aquilo que nós, almas boas, tendemos a acreditar como fruto do conhecimento cientifico é, a mais das vezes, pura leviandade!

Paulo M. Morais disse...

nope, obrigado pelo conselho, mas neste caso nada de segunda opinião. :-)

na medicina, tal como em todas as outras profissões, há bons e maus profissionais. as pessoas é que tendem a pensar que a medicina é infalível (uma falácia). o tema dá pano para mangas, tenho dois médicos na família e com o meu avô costuma haver longas dissertações sobre o estado e os caminhos da medicina.

a minha relação com médicos tem em parte a ver com a relação humana (ou não) que se estabelece com eles. isso, entre outras coisas, para mim valida/acompanha o diagnóstico feito. um dia falarei sobre o tema, em relação ao pediatra da Maria.